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Foto do escritorEduarda Rodrigues

Lendo Manuel Rui: Quem me dera ser onda

Atualizado: 23 de abr. de 2023

Quem é Manuel Rui Alves Monteiro?


Manuel Rui Alves Monteiro, mais conhecido como Manuel Rui, é um escritor angolano que entre suas obras coleciona poesias, ficções, ensaios e crônicas, cheios de ironia sobre a pós independência angolana. Manuel Rui licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra onde foi também membro fundador do Centro de Estudos Jurídicos. Além disso, foi Ministro da Comunicação Social do Governo de transição que antecedeu a independência de Angola, Diretor do Departamento de Orientação Revolucionária e do Departamento de Relações Exteriores do M.P.L.A.


Quem me dera ser onda


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A obra Quem me dera ser onda foi publicada pela primeira vez em 1982, poucos anos após a independência de Angola. Esta novela retrata a tentativa da população em se adaptar às mudanças causadas pela Revolução, ou seja, pelo final da guerra colonial em 1975. A narrativa acontece em Luanda, cidade que passa, no período, por uma grande explosão demográfica, em um movimento da população do subúrbio para os centros. Como é de se esperar, ocorre um choque nessa adaptação à nova realidade. Existe ainda a desilusão causada pelo percebimento que a unidade nacional, revolucionária e social, tão sonhada no período da luta anticolonialista está longe de ser realizada, mesmo após a retirada dos portugueses.


Mesmo com um governo de base socialista a realidade dos angolanos ainda é perpassada pela contaminação da colonização portuguesa. Esses fatores podem ser notados na criação das personagens.


Diogo, o chefe da família central da novela, traz consigo hábitos de vida do campo para os prédios, ao ter a ideia de criar um porco no sétimo andar de um prédio. Diogo decide levar o porco para casa, mesmo sendo proibido a criação de animais nos apartamentos, porque está cansado da falta de diversidade de alimentos em Luanda e sendo levado por isso a uma rotina alimentar pautada no “peixefritismo”.

Enquanto o pai enxerga o porco como uma futura alimentação, Zeca e Ruça se aperfeiçoam e transformam o leitão em um amigo chamado Carnaval da Vitória. Ao perceberem que o destino de Carnaval da Vitória é a panela, as crianças começam a tentar uma forma de salvar a vida do amigo. São nesses momentos, principalmente, que Manuel Rui aproveita para mostrar as diferenças sociais em uma sociedade que pela teoria deveria ser igualitária.

Na tentativa de salvar o porco, as crianças falsificam um “ofício” para conseguir carne para o pai comer e talvez assim deixar em paz Carnaval da Vitória. O ofício dizia que a carne estaria destinada a cães estatais que precisavam comer carne todos os dias. Essa cena evidencia o cenário de desigualdade na sociedade angolana, onde para um homem comer carne precisa mentir que ela é direcionada aos cães.


Outro ponto a ser pensado é que enquanto as crianças pensam na liberdade do porco, os mais velhos se apegam às suas ideologias e repetem frases que muitas vezes eles não sabem escrever e que são vazias de sentido ao ponto de trocarem palavras de lugar sem perceber. Isso leva a pensar que eles repetem sem refletir sobre o que aquilo realmente significa. O discurso oficial das palavras da revolução perdem seu valor, e tudo pode ser antirrevolucionário, um porco pode ser politizado e até se tornar um burguês.


O autoritarismo está presente na obra e pode ser notado nas relações dentro da casa de Diogo e no prédio. Os personagens masculinos e adultos procuram a todo momento reforçar a sua autoridade nos espaços onde podem. Oficialmente, o autoritarismo está presente quando a professora dos meninos é convidada a depor e se retratar por deixar seus alunos livres para criarem suas redações para um concurso. A professora pode usar da sua autoridade e ditar sobre o que cada criança irá escrever, mas não o faz. Carnaval da Vitória com toda a sua popularidade foi o tema da redação e até dos desenhos de toda a escola. O que passa a ser considerado um ato antirrevolucionária, já que os trabalhos deveriam abordar temas cívicos revolucionários.


Assim como o povo angolano passa pela frustração ocasionada pela realidade pós revolução, o leitor também é decepcionado. Existe o anseio por um final onde Carnaval da Vitória seja salvo, mas ele é sacrificado para virar churrasco, em pleno carnaval. A carne do porco reúne os adultos que até então estavam desentendidos, enquanto as crianças permanecem nos andares inferiores, longe da festa.


A forma como a temática é desenvolvida aponta as questões históricas e sociais através de muita ironia e humor. É impossível não se deixar levar através da leitura. A oralidade usada por Manuel Rui causa uma aproximação com o leitor, mesmo sendo um livro que mantém a originalidade do português que se fala em Angola. Ler e descobrir o significado das expressões é um exercício prazeroso.


Como utilizar a obra em sala de aula?


Para você que é professor, não é de forma alguma difícil pensar em um trabalho interdisciplinar da obra. É possível analisar as questões para além da linguagem. Pode-se ir pelo caminho da geografia, observar como se deu a reorganização demográfica após a revolução, e é evidente que o livro é um prato cheio para uma análise histórica e social.


Em síntese, Quem me dera ser onda é uma leitura que pode ser feita rapidamente, apenas por entretenimento, ou pode absorver o leitor por um longo tempo se este estiver disposto a fazer uma análise aprofundada.





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