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Foto do escritorEduarda Rodrigues

Leitura literária: debatendo a violência nas escolas por meio da literatura


Nos últimos anos percebemos que os noticiários foram tomados por episódios devastadores de violência escolar. Nós, atuantes na educação, nos vimos num misto de angústia, impotência e despreparo para lidar com situações que até então pareciam distantes da realidade brasileira. Sabemos bem que para resolver questões estruturais como a violência são necessárias ações coletivas e organizadas de longo prazo, mas não é possível que o tema passe despercebido nas salas de aula. Assim, a partir da literatura, propomos aqui um trabalho de sensibilização. Nosso objetivo não é encerrar o debate, ou resolver a violência escolar, até porque não é tão simples. Mas instigar um olhar cuidadoso para o tema, tendo a literatura afrofuturista de Octavia Butler como um disparador.


Octavia E. Butler, em uma imagem da década de 1980

O desejo de criar universos faz parte do espírito que permeia o afrofuturismo2,tendência que tem ganhado cada vez mais força e que foi fortemente influenciada pela literatura de Butler. Podemos observar esse movimento no conto "Sons da Fala" (2019)3.  Neste conto, que é um dos que a autora chamou de “contos de verdade”, Rye (personagem principal) após uma pandemia misteriosa, perde seu marido e filhos, bem como sua capacidade de ler e escrever, e a liberdade de falar. Nessa pandemia, um provável vírus afeta irreversivelmente a aptidão de comunicar-se através da fala e/ou da escrita e, aqueles que conseguiram conservar mesmo que um resquício dessas habilidades, correm um risco ainda maior que os demais, isso porque ao menor sinal de sociabilidade, aqueles que a perderam por completo são dominados por um sentimento incontrolável de ódio e inveja que os leva a um enfrentamento violento cujo resultado é quase sempre fatal. Sendo assim, para Rye restou o silêncio, mesmo quando ela ainda pode falar.


O conto inicia com Rye em meio a uma confusão generalizada em um ônibus e, para se salvar, ela aceita a carona de um desconhecido e viajam juntos em busca da sobrevivência. A descrição aponta para um mundo que parece uma paródia distópica do nosso, em que uma simples viagem para obter suprimentos torna-se uma jornada perigosa.


Outro ponto importante é que só a Rye e duas outras personagens que aparecem no final são nomeadas (ela imagina um nome para o homem que encontra). Nessa realidade criada pela Octavia Butler, a humanidade está desprovida daquilo que a torna única: sua individualidade. Nenhuma instituição funciona e o que impera é a luta pela sobrevivência.


A ausência da linguagem verbal é central para compreender a (des)organização da narrativa e pode mover potentes reflexões em sala de aula. A dificuldade da comunicação enquanto impulsionador da violência, embora em um universo distópico, pode se aproximar, em diferentes aspectos, das angústias presentes no cotidiano escolar. Sobretudo no pós-pandemia, sentimos que o comportamento explosivo, violento, está insistentemente presente na escola. Seja pelo contexto social brasileiro que afeta diretamente nossas(os) estudantes, pelo período de isolamento que mexeu com a socialização, ou pelo afastamento do dia-a-dia escolar, percebemos que crianças e jovens têm sofrido psicologicamente, e a forma de externalizar suas dores se dá raramente pela fala. Esta é uma reflexão complexa, cheia de variáveis e sem soluções imediatas. Assim, um dos caminhos para a abertura de diálogos possíveis pode ser o de promover paralelos entre o mundo distópico de Butler e a realidade pós-pandemia brasileira, possibilitando o olhar para si e para o outro a partir da ficção.


O universo proposto por Octavia Butler tem forte potencial de atrair o interesse dos estudantes: o universo distópico, a trama misteriosa e a narrativa instigante. Por isso, criamos uma sequência didática cujo objetivo é instigar a reflexão sobre o poder da comunicação, violência e sonho, a partir do conto de Octavia e de conceitos como distopia e afrofuturismo. Assim, visamos incentivar a leitura, a alteridade, o olhar para a subjetividade e a interação entre estudantes e docentes.


Baixe a proposta didática:




Sobre as autoras:


Eduarda Rodrigues é mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, formada em Letras - Português/Francês pela USP e Educadora Social pelo Senac. Escritora com textos publicados nas coletâneas “Narrativas Periféricas: entre pontes e saberes plurais” (2020), “Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras” (2021), “Comunidades e famílias multiespécies: aportes à saúde única em periferias” (2022) e “Micro-uai!” (2023). Em 2023, lançou seu primeiro livro de contos, intitulado “Pedras de Malacacheta”, através da Editora Mondru.


Lara Rocha é mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, na área de Literatura Afrobrasileira e Educação Antirracista, e gestora da área de Educação do CEERT. Foi professora de Língua Portuguesa e Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de São Paulo. Além disso, foi por 10 anos coordenadora pedagógica e educadora no Cursinho Popular Florestan Fernandes. Participou da concepção e execução do Projeto Travessia - Remição de pena através da leitura na Penitenciária Feminina da Capital. Atua também como consultora sobre Educação e Diversidade em instituições privadas e do terceiro setor.



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