22 de setembro
Acabei de descobrir que derrubaram a gameleira do final da rua, a gameleira do meu umbigo.
Estou numa tristeza tão grande, tão profunda.
Aquela árvore me fazia sentir especial.
Não sei se é verdade, mas vó dizia que a gameleira é o baobá do Brasil.
Se minha vó não tivesse enterrado meu umbigo na gameleira, ele nunca teria se curado.
A gameleira era um pedaço de mim e de África.
Mas derrubaram a gameleira.
15 de setembro
Ontem não escrevi, e hoje preciso fazer um grande esforço para escrever. A chuva de vento levou quase metade das teias, no desespero subi na cama e tentei segurar algumas. As meninas se esconderam embaixo da mesa grande, fiquei sem as teias e com a mão machucada. Mais tarde irei falar com o padre, talvez a comunidade possa ajudar.
Esses são alguns dos meus trechos publicados no livro: Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras. Veja como foi o processo de escrita coletiva desse livro:
Minha carta de seleção
Para participar do livro era preciso enviar uma carta para Carolina Maria de Jesus, essa foi a minha carta:
Querida, Carolina.
Saudações!
Te escrevo hoje em sinal de agradecimento por ter conseguido algo que por muito tempo tentei em vão.
Desde pequena sou apaixonada pelos livros e pela mágica das palavras, mas ficava triste por a pessoa mais inteligente do mundo não ter a mesma paixão que eu. Quando pedia para a minha mãe ler, ela dizia que não gostava e não tinha tempo.
Como você, vim para São Paulo bem nova trabalhar como empregada doméstica, mas também não consegui viver sendo mandada e procurei outro caminho. Adulta e morando longe, percebi que minha mãe se recusava a comer em público e dizia não gostar, mas o que ela realmente tinha era vergonha de não saber usar garfo e faca. Pensei que a recusa dela à leitura também fosse vergonha de algo que estivesse fora da realidade dela.
Comprei e enviei seu livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, a sua história parece muito com a dela. Insisti para que ela lesse, depois mandei livros da Conceição Evaristo, mulheres negras e mineiras como ela. Hoje minha mãe me liga para encomendar mais livros.
Muito obrigada, minha amiga! Obrigada por mostrar à minha mãe que a história dela não é vergonhosa, que ela pode até não saber usar garfo e faca, mas como a minha sabedoria de criança apontava, ela é a mulher mais poderosa e inteligente do mundo.
Abraços desta amiga que te gosta muito,
Eduarda Rodrigues.
Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras
A obra e a vida de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foram o ponto de partida do processo de formação pela Flup – Festa Literária das Periferias – das 180 mulheres que escrevem neste livro.
Inspiradas na autora de “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, a primeira mulher negra brasileira a fazer sucesso internacional no meio literário, trilharam os caminhos do conto, da crônica, do diário e do relato autobiográfico em busca de suas próprias vozes como escritoras.
O resultado é um conjunto de textos que surpreende pela diversidade e riqueza de temas, vocabulários, estilos e, sobretudo, pela força da escrita dessas mulheres – catadoras, professoras, estudantes, advogadas, produtoras, mães e, agora também, escritoras negras de uma nova geração que deixará a sua marca na literatura brasileira.
Entre as orientadoras e orientadores da formação estavam: Ana Paula Lisboa, Cristiane Costa, Eduardo Coelho, Alexandre Faria, Eliana Alves Cruz, Fred Coelho, Itamar Vieira Junior e Milena Britto.
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